Artigos Espíritas

A mensagem do espiritismo para uma vida melhor

Sidney contribui para diversos órgãos da imprensa espírita e laica, produzindo artigos para reflexões oportunas em todas as épocas. Todos os artigos estão disponíveis nesta seção para você compartilhar em suas redes sociais ou, no caso de jornais e boletins espíritas, utilizar livremente em suas publicações, com a gentileza de citar o crédito do autor.

Boa leitura! E que a mensagem espírita chegue cada vez mais longe!

Gatilhos da obsessão

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Vingadores invisíveis

Almas que, metafórica ou literalmente, lavam a honra com o sangue do ofensor, assumem dívidas que irão infelicitá-las por séculos, em dolorosos resgates. William Shakespeare (1564-1616) considerava a vingança um ciclo de ódio, pois quando você se vinga de alguém, esse alguém irá se vingar de você, que irá voltar a se vingar do ofensor, e assim por diante, numa sucessão ininterrupta e repetida, com retorno ao mesmo ponto de origem.

Temos aí os requisitos perfeitos para um recíproco processo obsessivo, em que os personagens se alternam entre a condição de vítima e de agressor, estando geralmente um ou o outro encarnado ou na erraticidade. O ponto mais sério desse drama é a consciência da gravidade desses comportamentos e a satisfação que eles propiciam aos protagonistas enredados na mesma trama.

Cadeias de ódio, inspiradas em baixos sentimentos como egoísmo, orgulho e vaidade, são semeaduras produtivas de males férteis. Criminosos, cruéis senhores de escravos, insensíveis empresários, desonestos, traficantes e abusadores de sentimentos alheios são sérios candidatos a se reencontrarem com suas vítimas.

Muitas perdoam. Mas há aquelas que não esquecem e arvoram-se em executoras da justiça divina, a fim de submeter os agressores a dores semelhantes ou muitas vezes superiores às que sofreram. A vingança é o disparo da lei de talião, com consequências e duração imprevisíveis.

Obsessão por séculos

Um dos casos mais impressionantes narrados por André Luiz1 é a história de Ugo, o poderoso Duque da Provença, que, no início do século XX, buscava vingança por fato ocorrido no século X. Queria se vingar da mulher que amava, que o induziu a aniquilar os próprios pais e depois o desprezou. O coração transbordante de fel atravessou os séculos, para enfim encontrá-la e lhe impor avassaladora servidão, em processo obsessivo através de terrível cerco hipnótico.

Por que o infortunado vingador se fixou na ideia da desforra, mesmo transcorridos tantos anos? Não teve idas e vindas no processo reencarnatório que o demovessem do rancor e do ódio?

Essas dúvidas foram apresentadas por André Luiz ao assistente Áulus, que, ponderadamente, as esclareceu. O mentor começou destacando que, depois da morte, muitos não mudam e podem continuar desenvolvendo os mesmos pensamentos que cultivavam na vida física.

Disse ainda que a encarnação pode ser comparada a um campo de batalha com o objetivo de aperfeiçoar o indivíduo. Se for vitorioso, prosseguirá sua trajetória evolutiva. Se perecer diante da inércia e da rebeldia, o espírito será atraído para a morada dos neuróticos, loucos, mutilados, feridos, enfermos e desajustados de toda espécie, nas sombras do espaço.

— O tempo não desperta essas almas? — perguntou André Luiz.

O tempo é sempre aquilo o que dele fazemos — foi a resposta registrada pelo mentor.

Qual o remédio mais adequado à situação? — indagou André Luiz ao assistente.

Muitas dessas almas desorientadas se entediam do mal e procuram a regeneração por si mesmas. Outras acordam para as responsabilidades que lhes são oferecidas, buscando o espontâneo caminho do equilíbrio. Muitas, no entanto, recalcitrantes e inconformadas, são reencaminhadas, compulsoriamente, a novas e difíceis experiências no corpo da carne, de longa duração, como irrecusável convite de restabelecimento — esclareceu Áulus.

Antes de cogitarmos de supostas injustiças divinas, conscientizemo-nos de que, no passado, muitas enveredaram pelos caminhos da vingança e do ódio. Espíritos envolvidos nessas situações seguem do berço ao túmulo em recuperação gradativa, até aportarem no limiar da reflexão, do arrependimento e da reparação de seus males.

Melhor defesa

A melhor maneira de resistirmos ao assédio de perseguidores é o empenho sistemático em construir barreiras de luzes em nossas vidas. Se a luz acontece, a sombra desaparece. Nenhum perseguidor conseguirá penetrar em nosso íntimo, se nos mantivermos limpos e serenos, evitando as nuvens da irritação e da indolência.

Espíritos doentes não gostam do ambiente de pessoas verdadeiras, honestas, empáticas e caridosas. Não se sentem bem ao lado de quem é capaz de compreender, relevar e perdoar.

Não existem perseguidores felizes. O comprometimento com a vingança traz infelicidade e intranquilidade ao vingador. Quando eles percebem que seus atos não atingem os objetivos previstos, tendem a se afastar. Esse é o estratégico momento em que familiares queridos, que esperam pacientemente por uma brecha, aproximam-se, para modificar suas disposições. Procuram convencer o agressor de que está agredindo a si mesmo ou, como diria a sabedoria shakespeariana, está bebendo veneno, esperando que os outros morram. A partir do momento em que se compenetra de que os males semeados voltarão, indefectivelmente, na forma de males que o infelicitarão, passa a abandonar a atitude irracional da autofagia.

Há uma sábia expressão de Allan Kardec2, que bem sintetiza o gatilho que dispara o processo obsessivo:

Os espíritos maus farejam as chagas da alma, como as moscas farejam as chagas do corpo.

Resumindo, as impurezas da alma atraem espíritos comprometidos com o mal. A recíproca é verdadeira. A partir do momento em que limpamos nossas impurezas, evitamos os maus espíritos. Disciplinando pensamentos e impulsos, afastamo-nos dos perseguidores, ainda que eles queiram manter-se sintonizados conosco. Cultivando o equilíbrio, passamos a vibrar em frequência inacessível aos obsessores.

Se o caro leitor ainda está céptico quanto a eficiência dessa tese, rogo que continue lendo estas linhas, pois vou lhes trazer extraordinário exemplo de superação do processo vingativo.

A transformação

Ao desavisado poderá parecer que bastará proteger e salvar a vítima e punir os que se arvoram em vingadores e verdugos. Antigos dirigentes de reuniões de desobsessão buscavam meios para acorrentar e afastar obsessores. Com o tempo, agentes do bem conseguiram mudar esse raciocínio, convencendo-os de que para Deus todos merecem misericórdia e condescendência.

Ensina o Espiritismo que ninguém está perdido e que, mesmo os mais encarniçados e doentes facínoras, ainda que por curto ou longo espaço de tempo estejam expostos a expiações, cujo torniquete não os liberará do sofrimento até que se redimam, não terão por destino o sofrimento eterno.

Condescender não significa ser conivente com atos reprováveis. Elevados mentores, em nome do Cristo, ensinam-nos que mesmo os mais insensíveis às dores alheias precisarão passar pela sublime transformação do amor.

Perdão aos inimigos?

Um dos personagens de James C. Hunter, do livro O Monge e o Executivo, considerava perdoar e ter condescendência para com desafetos como coisa absurda. Desabafava:

— Amar nossos inimigos? Amar Adolf Hitler? Amar a Gestapo? Amar um assassino? Como Jesus poderia ter ordenado que as pessoas fabricassem uma emoção como o amor? Principalmente com relação pessoas nada amáveis?

— Uma noite — narra o personagem de Hunter —, vários colegas e eu nos reunimos para tomar umas cervejas na taberna local. Um professor de línguas disse algo parecido com: “— Sim, amar nossos inimigos”. Eu respondi: “— Que piada! Então tenho que amar um estuprador? ”

— O professor de línguas me interrompeu dizendo que eu estava interpretando mal as palavras de Jesus. Ensinou-me que o Novo Testamento foi originalmente escrito em grego e os gregos usavam várias palavras diferentes para descrever o fenômeno do amor. Falou de eros — atração sexual e desejo ardente —, de storge — afeição entre familiares —, de philos — amor fraterno — e de ágape — amor incondicional, baseado no comportamento com os outros, sem nada exigir em troca.

— O amor de Jesus é o amor ágape, amor traduzido pelo comportamento e pela escolha, não pelo sentimento do amor. Jesus Cristo não queria dizer que nós devemos fazer de conta que as pessoas ruins não são ruins, ou nos sentir bem a respeito de pessoas que agem indignamente. O que ele queria dizer era que devemos nos comportar bem em relação a elas.

Da mesma forma pronunciou-se Allan Kardec3, ao afirmar que há equívoco quanto ao sentido dado por Jesus à palavra amor. Com efeito, a ternura pressupõe a confiança, sentimento incompatível em relação a quem quer fazer o mal. A aceitação da proposta cristã pressupõe o pragmatismo do ofendido, que não deve comportar-se da mesma forma que o ofensor, sob pena de expor-se às mesmas consequências de seus atos.

Não se trata de criar falsos ou artificiais sentimentos de amor e sim de balizar o comportamento de acordo com o bem, o que não significa, necessariamente compactuar com o mal. Fugir da vingança não é nutrir afeição por quem ainda não está pronto para o entendimento, é adotar comportamento diferente do inimigo, sem igualar-se a ele. Não mandamos em nosso sentimento, mas podemos controlar o nosso comportamento.

A força do amor

No encerramento deste estudo julgamos oportuno trazer a experiência de Jerônimo, que, depois de décadas de procura, finalmente encontrara seu velho inimigo Fabrício, de quem agora iria se vingar do mal que lhe causara, em vida anterior. Lembrava-se muito bem dos longos anos que passara na prisão, determinada por Fabrício, ao decretar a longa pena, oriunda de processo criminal.

De nada adiantaram os esclarecimentos prestados pelos mentores espirituais que o acolheram, depois da sua morte, e lhe asseguraram que, como juiz de direito, aquele que considerava seu desafeto tão somente cumprira seu dever jurídico. Em seu peito, havia apenas a sinistra intenção de desforra, que lhe carreava fortes sentimentos negativos. Durante o tempo de procura, arquitetara detalhadamente o plano de vingança contra o oponente que o havia prejudicado e, sob o seu ponto de vista, provocado seu óbito, depois de longa doença contraída no cárcere.

Entre a teoria e a prática, no entanto, Jerônimo esbarrou em alguns obstáculos. O envolvimento do rival, tão bem planejado, não se mostrou tão fácil quanto esperava. Deparou-se com um opositor expansivo, otimista, descontraído, honesto e trabalhador. Mais do que isso, por mais que procurasse, não encontrava qualquer brecha moral por onde pudesse se insinuar e perpetrar seus mórbidos planos.

O mais estranho é que Fabrício não apresentava qualquer sinal de remorso, característica de quem carrega vasto complexo de culpa. Seu corpo espiritual, inexplicavelmente, encontrava-se em apreciável condição de equilíbrio, sem sinais do mal que se instala nos recessos do espírito de quem o concretiza.

— Será que os iluminados tinham razão e Fabrício era inocente? — articulava Jerônimo em seus pensamentos. Impossível, ele haverá de pagar por tudo o que me fez!

A alma de Fabrício, todavia, parecia uma armadura indevassável. Era modelo de virtude e de alegria, cumpridor de seus deveres profissionais, marido atencioso e pai extremado.

Resignado, o velho vingador já estava quase desistindo da empreitada maligna, quando aconteceu o desastre: um flagelo destruidor, de largas proporções, com grande número de vítimas. Os telejornais não falaram de outra coisa por noites seguidas. As manchetes jornalísticas ocuparam os espaços mais nobres. E Fabrício contraiu o vírus da amargura. Levado pela enxurrada da tormenta provocada por inúmeras pessoas lacrimosas e desavisadas, Fabrício acusou o golpe e adquiriu, da noite para o dia, a fragilidade emocional que caracteriza os incautos e invigilantes. Um prato cheio para o obsessor que o aguardava, pacientemente, para lhe incutir suas sugestões macabras.

O fiel trabalhador, que agora era um trapo velho em pessoa, tornou-se extremamente vulnerável aos ataques de Jerônimo, que se preparava para desferir o golpe fatal, com a profundidade desejada. Foi nessas condições que Fabrício adentrou os portais de sua residência, cabisbaixo, triste, negativo e choroso.

E então aconteceu o milagre. Esperava-o a amiga e esposa Márcia, mãe dedicada, com o evangelho na mão, para, ao lado de seus filhinhos, realizarem a oração semanal. Jerônimo ainda esboçou alguma reação, tentando desfazer aquele círculo de luz que se formava no lar de Fabrício, mas era tarde demais. As nuvens escuras que haviam sido cuidadosamente arquitetadas pelo obsessor começaram a se desfazer, como por encanto.

E o pior aconteceu para Jerônimo: a oração inicial do evangelho no lar, proferida por doce criança de apenas sete aninhos, era dirigida aos sofredores da tragédia acontecida e para os infelizes desencarnados. Aquela família estava orando por ele!

Foi então a vez de Jerônimo acusar o golpe. Mas, diferentemente de seu ataque, era um golpe de luz, de que se utilizaram os protetores daquele abençoado lar para envolvê-lo e, finalmente, fazê-lo entender que sua luta era injusta. Estranhamente, Jerônimo não se apressou em dali fugir, ao sentir as cálidas vibrações que o envolviam e o faziam sentir-se, depois de muitos anos, pela primeira vez, em paz.

A lição da noite falou do combate à tristeza, aos pensamentos negativos e da incessante luta contra as raízes da amargura do coração. E foi assim, nesse diapasão de harmonia, que Jerônimo se deixou conduzir pelas iluminadas entidades ali presentes, rumo a um novo destino que ali se iniciava.

Fiquemos com Neio Lúcio4:

A projeção destrutiva do ódio morrera, afinal, ali, dentro do lar humilde, diante da força infalível e sublime do amor.

Referências:

1 – LUIZ, André. Nos domínios da mediunidade. Francisco C. Xavier.  Cap. XXIII – Fascinação. Pg.213. Edição 36. 5/2014. Brasília – FEB.

2 – KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. XXVIII – Coletânea de preces espíritas. Item 16. Prefácio – 2002 – Edição 120. Tradução Dr. Guillon Ribeiro. FEB.

3 – KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. XII – Amai os vossos inimigos. Item 3. Retribuir o mal com o bem – 2002 – Edição 120. Tradução Dr. Guillon Ribeiro. FEB.

4 – LÚCIO, Neio. Alvorada cristã. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Lição 12. A arma infalível. Pg. 40. Edição 2. 1958. Rio de Janeiro. FEB.

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