O crime
O castelo português do século XVII estava em paz. Maria, a rainha, administrava seu território com energia, porém com justiça e bondade. O reinado lhe havia sido legado pelo marido, o rei Nicolau Navarro, morto em contenda com revoltosos.
Em favor de uma causa maior — a harmonia de seus súditos e a segurança de suas possessões —, Maria superara os ímpetos de vingança. No entanto, estava com dificuldades para conter seus filhos, José, Antônio e Manuel, que ansiavam por desforra pela morte do pai.
A despeito da vontade da mãe, tramavam cilada que iria liquidar Armando, chefe dos insurretos, e seus auxiliares mais próximos, que haviam sido anistiados pela rainha, com o nobre objetivo de pacificar o seu reino.
Infiltrados no grupo rebelde, homens dos Navarro espalharam a falsa notícia da existência de um baú, localizado em gruta à beira-mar, contendo centenas de moedas portuguesas do século XV, de valor histórico e comercial inimagináveis. A moeda, intitulada O Português, lançada por D. Manuel I no século XV, era objeto de lendas fantásticas, devido à importância que obteve para Portugal pelos termos comerciais da época.
Muitas pessoas já haviam se empenhado em verdadeira caça ao tesouro, levados pela ambição e pela desenfreada busca de poder e riqueza, sem obter qualquer êxito. O boato dos Navarro encontrou guarida junto dos três auxiliares mais próximos de Armando, que o convenceram a pagar regiamente por mapa que os levaria à caverna das riquezas douradas.
Considerando que as pessoas costumam acreditar naquilo que querem, o plano teve sucesso. Em escura noite, Armando e os três asseclas que o haviam auxiliado a assassinar o rei Navarro morderam a isca. Foram em direção ao suposto tesouro escondido, munidos de archotes.
Foram recebidos pelos três irmãos, acompanhados de soldados do palácio fortemente armados. Dominados, foram amarrados a grandes pedras e atirados de alto penhasco em direção ao mar.
Os crimes foram abafados pelas pequenas fortunas distribuídas por José, Antônio e Manuel aos cúmplices da execução. Nem mesmo Maria, a rainha, tomou conhecimento do fato.
Primeiras consequências
Assim que tomaram consciência de suas mortes e respectivas causas, Armando e seus companheiros partiram em busca dos irmãos Navarro e passaram a lançar sistemáticos disparos magnéticos, que os atingiram em cheio, pela vulnerabilidade que os remorsos lhes causavam. Não foi difícil localizá-los, pois o ódio recíproco provoca imantação entre vítimas e verdugos.
Indefesos espiritualmente, os irmãos passaram a sofrer doenças inexplicáveis, provocadas pelos pensamentos mortíferos de suas vítimas, que foram minando suas energias físicas e abreviando seus dias de vida na Terra.
Ao desencarnarem, foram violentamente agarrados por suas vítimas, que os arrastaram para sombras infernais, onde passaram a sofrer pavorosa vingança. Seus organismos perispirituais portavam dolorosas chagas, que lhes provocavam largos padecimentos.
Os terríveis sofrimentos fizeram-nos acreditar que haviam sido lançados ao inferno eterno proclamado por seus líderes religiosos. Quando as desditas já haviam aniquilado completamente suas esperanças, profundamente arrependidos dos crimes cometidos, surgiu uma luz de esperança: Maria, a mãe prestimosa, havia intercedido por seus filhos e obtivera o resgate que os tirou das regiões purgatoriais.
Perdoados, mas não limpos
— Como aconteceu essa libertação? — poderá indagar o caro leitor. De que forma as vítimas dos Irmãos Navarro os liberaram, para que eles pudessem ser retirados das regiões umbralinas?
Maria, sua mãe, poderia já estar sintonizada com benfeitores espirituais com poderes para tal mister. No entanto, não somente isso aconteceu. A mãe dos irmãos José, Antônio e Manuel contou com preciosa ajuda de outro personagem: o Rei Nicolau.
Assim que desencarnou, vitimado por Armando e seus comparsas, Nicolau assumiu equilibrada postura, entendendo que sua morte ocorrera em decorrência da insurreição contra seu reinado, e entregou à justiça divina o destino dos sequazes responsáveis por sua morte. Com isso, permitiu a aproximação de mensageiros celestes, conquistou a simpatia de vários agrupamentos do plano espiritual e obteve preciosas intercessões que o pouparam de padecimentos purificadores.
Aconselhado por irmãos superiores, Nicolau ainda tentou, pelas vias da inspiração, demover seus filhos da intenção vingativa contra seus verdugos. No entanto, sintonizados com o ódio que nutriam, levaram adiante o ardil que aniquilou os agressores do marido de Maria.
Assim que tomou conhecimento dos esforços da esposa para resgatá-los, Nicolau postou-se diante dos perseguidores de seus filhos, seus assassinos, que, pelas vias do remorso, quedaram-se e evadiram-se. A força moral de Nicolau, esteada nos mensageiros do bem, anulou a energia negativa de Armando e de seus companheiros, que acabaram por reconhecer suas responsabilidades na desdita que estavam vivendo.
Nicolau e Maria foram autorizados a conduzir seus filhos a instituição de socorro da espiritualidade. Lá, eles foram tomando consciência plena do que lhes havia ocorrido. Agradeceram o apoio dos pais e dos espíritos superiores que os acolheram. Estavam livres, portanto, de suas culpas? Não exatamente, pois remanesciam suas dívidas, que precisariam ser quitadas perante a justiça divina. Perdoados? Talvez sim, mas não limpos. Iniciava-se ali um longo processo de regeneração.
Intercessão e remissão
Intercessão não é indevido uso de influência para acobertamento de crimes. Quando não há mínimo merecimento, pouco podem fazer os intercessores, por mais sinceros que sejam os votos de seus corações. Podem, no máximo, permanecer ao lado de seus amados protegidos, tutelando-os, inspirando-os, protegendo-os, na medida do possível, como se fossem improvisados professores acompanhando seus alunos.
Vale a pena lembrar o Padre Carlos, protegido de Alcíone, do livro Renúncia, de Emmanuel. Em gesto de extrema generosidade, ela encarnou ao seu lado, para ajudá-lo, mas não conseguiu a plenitude de seus propósitos em virtude das más escolhas dele.
Citemos também a figura de Francisco, descrita por André Luiz, no livro Nosso Lar. Não lhe valeram os socorros das esferas mais altas, porque ele fechava a zona mental a todo pensamento relativo à vida eterna. Quando foi atraído para as zonas inferiores do umbral, os que foram seus pais na Terra, detentores de grandes créditos espirituais, rogaram sua internação nas câmaras de retificação da colônia. Tamanha, no entanto, era a perturbação do rapaz, que não pôde reconhecer o pai, quando este o visitou, nem mesmo teve consciência para identificar os esforços intercessórios de seus genitores.
Encerrando este tema, julgamos oportuno lembrar história narrada por Richard Simonetti, em seu livro “Não peques mais! ”.
Melhores amigos
Um homem foi convocado para depor num tribunal. Temeroso, pediu a ajuda de um amigo.
— Sinto muito, mas não posso acompanhá-lo — respondeu o amigo. O juiz é severo e não me dou bem como ele.
Apelou para outro amigo.,
— Somente poderei acompanhá-lo até a porta do tribunal. Ficarei vibrando por você, mas no lado de fora.
Finalmente, conseguiu o apoio integral de um terceiro amigo, que assegurou:
— Sem problemas! Estarei presente, serei seu defensor e farei valer seus direitos.
Que tribunal era aquele e quem eram os amigos?
O tribunal, a morte. O juiz, nossa consciência. O julgamento, a avaliação de nossas ações. O primeiro amigo, os bens materiais. Úteis na Terra, nada significam no além. O segundo amigo, a família. Acompanha-nos até o túmulo, mas não pode passar dali. Não nos acompanha, apenas torce por nós. E o terceiro amigo?
Esse é representado por nossas boas ações, que nos acompanharão, farão valer nossos direitos e assegurarão futuro tranquilo e feliz para nós.
***
Preces, intercessões, auxílios espirituais, boa acolhida e feliz chegada ao plano espiritual dependerão de nossa coparticipação. De nada adiantarão milhares de intercessores, se eles não forem respaldados pelo reconhecimento sincero dos nossos enganos, bem como pelos méritos de boas ações.