Resumo
Proselitismo, em sua origem grega, designava a adesão de pagãos ao judaísmo. Presentemente, pode ser utilizado em múltiplos aspectos, tais como político, esportivo, econômico ou religioso. Representa o empenho para converter pessoas ou grupos ou conquistar adeptos para uma determinada ideia ou convicção.
Pode ser legítimo. É natural que se procure levar a outras pessoas as convicções que trazem conforto, alegria, segurança e bem-estar. Embora louvável, quando utilizado com boas intenções, sem coação, pressão ou ameaça, está sujeito a desvios morais, como qualquer outra atividade.
O Espiritismo não se considera dono da verdade, nem se apresenta como único meio de salvação do homem. Entende que todas as criaturas estão a caminho da evolução, desenvolvendo suas potencialidades internas, e que deverão ser salvas por elas mesmas.
Palavras-chave
Proselitismo. Conversão. Ide e pregai. Fé. Salvação.
Proselitismo
Proselitismo, em sua origem grega, designava a adesão de pagãos ao judaísmo. Presentemente, pode ser utilizado em múltiplos aspectos, tais como político, esportivo, econômico ou religioso. Representa o empenho para se converter pessoas ou grupos ou conquistar adeptos para uma determinada ideia ou convicção.
Pode ser legítimo. É natural que se procure levar a outras pessoas as convicções que trazem conforto, alegria, segurança e bem-estar. Embora louvável, quando utilizado com boas intenções, sem coação, pressão ou ameaça, está sujeito a desvios morais, como qualquer outra atividade.
Evangelho
A conversão para a crença em Deus, a princípio dirigida aos pagãos para que se tornassem membros da comunidade judaica, foi assumida pela cristandade com base na expressão registrada pelo evangelista Mateus:
— Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo1.
Segundo Léon Denis2, justificava-se a persuasão e irradiação dos cristãos dos tempos apostólicos pela necessidade de sobrevivência da mensagem cristã e pela intensa perseguição e martírio sofridos pelos primeiros seguidores de Jesus. Daí sua intensa capacidade de proselitismo e propagação, que rapidamente se transformou em missão apostólica. Seguindo a proposta do Evangelho, os cristãos revestiram-se da obrigação de ganhar almas para o Senhor.
Proselitismo positivo
Como vemos, nos primeiros séculos o proselitismo, que designava a conversão para o cristianismo, não tinha qualquer conotação negativa, equiparando-se à atividade missionária prevista no Novo Testamento.
Santo Agostinho considerava que fazer prosélitos era como gerar filhos, uma ação apostólica destinada a difundir a fé, para que os homens conhecessem o Cristo. Fazer proselitismo era sinônimo de cristianizar e evangelizar. Convidar a crer ou favorecer que pessoas se incorporassem a uma crença, respeitando a verdade, a intimidade e a liberdade, faria parte da evangelização.
Proselitismo negativo
Em determinado momento da história, o homem passou a acentuar suas marcas ideológicas e a distanciar-se dos que não pensavam como ele. A religião, que deveria aproximar os homens, passou a ser motivo de separação e contendas. Não importava a convicção. Católicos, protestantes, islâmicos e um sem número de adeptos de centenas de credos passaram a não se tolerar, dando surgimento aos mais tristes eventos, que marcaram a Idade Média como período obscuro e violento, notadamente durante o período inquisitorial.
— Tenho razão e tu estás errado e eu queimo-te na fogueira.
Esta frase resume bem os desmandos da época, que, faça-se justiça, não foram praticados apenas pela Igreja Católica. Também foram dirigidos contra católicos e, bem recentemente, foram adotados por adeptos de seitas extremistas.
Exércitos e conquistas
Coletividades humanas levaram a níveis extremos e inadmissíveis a recomendação do ide e pregai. Encasquetaram que somente sua religião era a certa e partiram em busca da homogeneização global. Disso resultaram cruzadas, conquistas territoriais, torturas e atrocidades inúmeras e aniquilação de criaturas, sem distinção de sexo e idade, em nome da religião. Nobres e religiosos uniram-se em missões de conquistas, dizimando povos pacíficos e virtuosos, sob o pretexto de professarem outras crenças ou por, supostamente, manterem contatos com entidades espirituais.
Como exemplo podemos lembrar da triste dizimação do povo cátaro. A partir de 1209, durante 20 anos, com apoio de senhores feudais, os cruzados investiram contra aquela civilização, que era localizada no sul da França. Seus territórios foram confiscados, sob o pretexto de que sua ideologia era considerada heresia. Toda a população cátara, cerca de 7 a 9 mil pessoas — homens, mulheres e crianças —, foi massacrada e suas casas saqueadas e incendiadas, em nome da religião dominante.
Das atrocidades cometidas contra inocentes, vejamos este diálogo, mantido entre o comandante e um subordinado de linha de frente:
— Senhor, como distinguiremos os cátaros dos cristãos?
— Matem todos! Deus conhecerá o seus.
Religiosos distantes da moral cristã
O poder, as riquezas, os territórios e, obstinadamente, a reconquista de Jerusalém, transformaram religiosos em guerreiros mercenários sem piedade, com atitudes muito distantes da moral de Jesus, em cujo nome passaram a saquear, matar, destruir e conquistar. Nada do que fizeram em nome da religião se aproximava ou tinha a ver com o amor cristão.
A história registrou o distanciamento da verdadeira religião, pela ganância, na prática de um proselitismo negativo, longe do amor e da fraternidade. Esqueceram-se de que a Terra é a vinha de Jesus, onde ele trabalhou, desde os primeiros tempos, para a transformação das criaturas, na busca do divino amor.
Tempos atuais
Autênticos cristãos passaram a se manifestar contra a Inquisição, a ponto de considerá-la movida, não por zelo, fé e salvação das almas, mas por desejo de riqueza, como assim já entendia o Papa Sisto IV. Recentemente, durante a celebração do Grande Jubileu de 2000, o Papa João Paulo II apelou para o arrependimento de maus exemplos do passado, pedindo perdão pelos pecados cometidos a serviço da verdade, contra os judeus e contra os direitos humanos, em geral, dentre outros.
Jovens religiosos evangélicos do Movimento Gospel procuram atrair adeptos através da atuação da música religiosa, refazendo identidades religiosas e espalhando a mensagem cristã em cultos embalados por bandas e grupos de dança dos espaços eclesiásticos.
Como vemos, a antiga agressividade foi substituída pelo sincero desejo do religioso em oferecer ao próximo o bem que a religião lhe proporcionou. Trata-se de posição classificada hoje não mais pelo proselitismo negativo, mas pela evangelização cristã, com respeito às crenças alheias.
João Paulo II advertiu ainda que o verdadeiro proselitismo é aquele que oferece ajuda para que homens se tornem fiéis às suas religiões. Mais importante do que a conversão será a construção de comunidades capazes de trabalhar pela justiça, pela liberdade, pela paz e pela solidariedade.
O Concílio Vaticano II recordou que os grupos religiosos podem e devem ensinar e testemunhar publicamente a sua fé. No entanto, na difusão da fé religiosa, devem sempre ser evitados os modos de agir movidos pela coação, pela persuasão desonesta ou desleal, principalmente contra gente simples e sem recursos.
Espiritismo
Nesse mesmo sentido, o Espiritismo orienta que nenhuma consciência deve ser violentada ou forçada para deixar sua crença. Se no passado o céu era tomado com violência, nos tempos atuais o é pela brandura3.
Da mesma forma Allan Kardec manifestou-se4 em relação à prevenção sistemática contra pessoas ou suas crenças, indiferentemente do número de membros mais ou menos considerável, pois não haverá que se buscar a quantidade.
Alerta, ainda5, que espíritos superiores nunca se prestam ao convencimento e se afastam dos que pretendem entrar nesse caminho. Assim como gostam de assuntos sérios e úteis, repugna-lhes ocupar-se de futilidades e simples curiosidade. Espíritos não se interessam pelo número de adeptos e sim pela qualidade moral destes.
Herculano Pires
Em 19706 pronunciou-se o Professor José Herculano Pires sobre o proselitismo, dizendo ser característica tão somente de religiões constituídas de forma estruturada, com sistema clerical, litúrgico, ritos e dogmas. Não é o caso do Espiritismo, mesmo em se considerando o seu aspecto religioso. Essas religiões precisam fazer adeptos, não apenas para aumentar o número de filiados, mas porque se baseiam no dogma da salvação.
O Espiritismo não se considera dono da verdade, nem se apresenta como único meio de salvação do homem. Entende que todas as criaturas estão a caminho da evolução, desenvolvendo suas potencialidades internas, e que deverão ser salvas por elas mesmas. Deus zela por todos nós e ninguém foi por Ele criado para se perder. A verdade jamais deve ser imposta. Ela deve ser exposta, deixando-se a critério de cada um aceitá-la ou não.
Finalizemos com o mestre Herculano:
Ele (o Espiritismo) é a luz que deve ser colocada em cima da mesa para que ilumine toda a casa, para que transmita sua luminosidade a todas as criaturas que dela necessitam.
Referências:
1 – MATEUS, 28:19.
2 – DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo – Prefácio da nova edição francesa.
3 – KARDEC, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XXV – Buscai e achareis – 2002 – Edição. 120. Tradução de Guillon Ribeiro. FEB
4 – KARDEC, Allan. Revista Espírita – maio de 1864. Discurso de abertura do sétimo ano social da Sociedade Espírita de Paris. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. FEB.
5 – KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns – Item 224 – 71. Edição. 2003. Tradução Guillon Ribeiro. FEB.
6 – PIRES, Herculano. Resposta dada no programa de rádio No Limiar do Amanhã, em que Herculano era o apresentador, produzido pelo Grupo Espírita Emmanuel, na década de 1970.