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Boa leitura! E que a mensagem espírita chegue cada vez mais longe!

Vingança: Convite à obsessão

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Índice:

1 Mesmo ferido

2 Reminiscência

3 Vingadores invisíveis 

4 Sombras da vingança

5 Perseguições brandas

6 Melhor defesa

7 O guarda-chuva

8 Perdão aos inimigos?

9 Retribuir o mal com o bem

10 Gandhi e o perdão

11 Despedida

12 Vacina conta a obsessão

 

Resumo

A raiva é um veneno que bebemos, esperando que os outros morram. Esta frase, atribuída a William Shakespeare, resume bem as consequências para aqueles que não perdoam. O mais influente dramaturgo do mundo considerava a vingança um ciclo de ódio interminável. Propomo-nos, neste texto, a desmistificar a célebre frase, que fala em paciência e espera para que a vingança seja perpetrada, pois, o prato que se come frio pode não satisfazer e é capaz de sufocar e causar indigesta reação à alma do vingador.

Palavras-chave

Talião. Vingança. Vingadores invisíveis. Remédio contra a vingança. Ágape.

 

Mesmo ferido1

O rapaz fora rudemente esbofeteado num baile. Em sã consciência, não sentia culpa alguma. Nada fizera que pudesse ofender. Por mera desconfiança, o agressor esmurrara-lhe o rosto. “Covarde, covarde” — haviam dito os circunstantes. Ele, porém, limpando a face sanguinolenta, compreendeu que, desarmado, não seria prudente medir forças. Jurara, porém, vingar-se. E, agora, munido de um revólver, aguardava ocasião. Um amigo, no entanto, percebendo-lhe a alma sombria, instou muito e conduziu-o a uma reunião da Doutrina Espírita.

Desinteressado, ouviu preces e pregações, comentários e apontamentos edificantes. Ao término da sessão, porém, um amigo espiritual, pela mão de um dos médiuns presentes, escreveu bela página sobre o perdão, na qual surgiam afirmações como estas:

— A justiça real vem de Deus.

— Ninguém precisa vingar-se.

— Mesmo ferido, serve e perdoa.

— A corrigenda do ofensor pode ser amanhã.

O jovem ouviu atentamente e saiu pensando, pensando…

Na manhã seguinte, topou, face a face, o desafeto, mas recordou a lição e conteve-se. Por uma semana se repetiu o reencontro, e, por sete vezes, freou-se prudentemente.

Dias depois, porém, retornando ao trabalho, encontrou um enterro e descobriu-se. Só então veio a saber que o grande esmurrador, aquele que o ferira, morrera na véspera, picado por escorpião.

A extraordinária didática, com palavras simples, sem rodeios ou adjetivações de Hilário Silva, é um bom começo para esta reflexão sobre a vingança.

Reminiscências

A vingança é um dos últimos remanescentes dos costumes bárbaros…2 Esta afirmativa, assinada pelo espírito Júlio Olivier na Sociedade Espírita de Paris, é datada de 1862. Ela é corroborada pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, que defende a possibilidade de as infelicidades da vida atual serem atribuídas a traumas do passado. Herdamos, não necessariamente de nossos pais, porém de nós mesmos, da época em que ainda éramos primatas, estados que comprometem nossos comportamentos.

Durante séculos os circuitos do medo, do estresse e da ansiedade nos acompanharam na morte e mesmo depois de encarnarmos em novos corpos. Muitos de nós ainda não vencemos as perturbações causadas por lesões físicas ou emocionais, que ficaram impregnadas em nossos espíritos.

Daí estarmos constantemente em estados de alerta, necessários na era neolítica, mas que deveriam estar disciplinados e contidos na vida atual. Muitos já nascem exalando beligerância e, quando injustiçados ou agredidos, ou por pressões sociais, reassumem comportamentos primatas.

Talião

O Código de Hamurabi (1750 a.C.) já contemplava a expressão latina talis, que significa pena igual à natureza do crime. No livro Êxodo (21:24 e 25) está a seguinte expressão de Jeová, o passional e vingativo senhor dos exércitos, que orientava seus seguidores a conquistarem territórios pela força das armas e recomendava que passassem a fio de espada tudo o que tivesse fôlego:

Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe.

Não obstante a evolução das leis e dos costumes, muita gente ainda entende que a violência resolveria a criminalidade do mundo. Ledo engano, porquanto toda violência, ainda que parta do Estado, apenas gera violência. Na Idade Média, quando a pena de talião foi praticada em larga escala, tivemos um dos períodos mais violentos da história.

Se em determinado período da humanidade essa justiça terrível, que recendia vingança, era usada com braço de ferro por Moisés, para disciplinar um povo materialista e rebelde, que castigava os ofensores sem esperar pelo concurso das autoridades, felizmente hoje os tempos são outros.

Vingadores invisíveis

Almas que, metafórica ou literalmente, lavam a honra com o sangue do ofensor, assumem dívidas que irão infelicitá-las por séculos, em dolorosos resgates. William Shakespeare (1564-1616) considerava a vingança um ciclo de ódio, pois quando você se vinga de alguém, esse alguém irá se vingar de você, que irá voltar a se vingar do ofensor, e assim por diante, numa sucessão ininterrupta e repetida, com retorno ao mesmo ponto de origem.

Temos aí os requisitos perfeitos para um recíproco processo obsessivo, em que os personagens se alternam entre a condição de vítima e de agressor, estando geralmente um ou o outro encarnado ou na erraticidade. O ponto mais sério desse drama é a consciência da gravidade desses comportamentos e a satisfação que eles propiciam aos protagonistas enredados na mesma trama.

Cadeias de ódio, inspiradas em baixos sentimentos como egoísmo, orgulho e vaidade, são semeaduras produtivas de males férteis. Criminosos, cruéis senhores de escravos, insensíveis empresários, desonestos, traficantes e abusadores de sentimentos alheios são sérios candidatos a se reencontrarem com suas vítimas.

Muitas perdoam. Mas há aquelas que não esquecem e arvoram-se em executoras da justiça divina, a fim de submeter os agressores a dores semelhantes ou muitas vezes superiores às que sofreram. A vingança é o disparo da lei de talião, com consequências e duração imprevisíveis.

Sombras da vingança

Um dos casos mais impressionantes narrados por André Luiz3 é a história de Ugo, o poderoso Duque da Provença, que, no início do século XX, buscava vingança por fato ocorrido no século X. Queria se vingar da mulher que amava, que o induziu a aniquilar os próprios pais e depois o desprezou. O coração transbordante de fel atravessou os séculos, para enfim encontrá-la e lhe impor avassaladora servidão, em processo obsessivo através de terrível cerco hipnótico.

Por que o infortunado vingador se fixou na ideia da desforra, mesmo transcorridos tantos anos? Não teve idas e vindas no processo reencarnatório que o demovessem do rancor e do ódio?

Essas dúvidas foram apresentadas por André Luiz ao assistente Áulus, que, ponderadamente, as esclareceu. O mentor começou destacando que, depois da morte, muitos não mudam e podem continuar desenvolvendo os mesmos pensamentos que cultivavam na vida física.

A encarnação pode ser comparada a um campo de batalha com o objetivo de aperfeiçoar o indivíduo. Se for vitorioso, prosseguirá sua trajetória evolutiva. Se perecer diante da inércia e da rebeldia, o espírito será atraído para a morada dos neuróticos, loucos, mutilados, feridos, enfermos e desajustados de toda espécie, nas sombras do espaço.

— O tempo não desperta essas almas? — perguntou André Luiz.

O tempo é sempre aquilo o que dele fazemos — foi a resposta registrada pelo mentor.

Quando estamos felizes, não nos damos conta dos minutos, ao passo que, ao lado do sofrimento e da incerteza, parece que o tempo para. Se isso acontece, passamos a girar em torno do foco dos nossos desajustes.  Paixão, desânimo, crueldade, vingança, ciúme ou desespero podem nos conservar por tempo indeterminado nas malhas da sombra.

Qual o remédio mais adequado à situação? — indagou André Luiz ao assistente.

Muitas dessas almas desorientadas se entediam do mal e procuram a regeneração por si mesmas. Outras acordam para as responsabilidades que lhes são oferecidas, buscando o espontâneo caminho do equilíbrio. Muitas, no entanto, recalcitrantes e inconformadas, são reencaminhadas, compulsoriamente, a novas e difíceis experiências no corpo da carne, de longa duração, como irrecusável convite de restabelecimento — esclareceu Áulus.

Antes de cogitarmos de supostas injustiças divinas, conscientizemo-nos de que, no passado, muitas enveredaram pelos caminhos da vingança e do ódio. Espíritos envolvidos nessas situações seguem do berço ao túmulo em recuperação gradativa, até aportarem no limiar da reflexão, do arrependimento e da reparação de seus males.

Perseguições brandas

A vingança pode assumir características brandas, revestida de aparência hipócrita, ocultando os maus sentimentos que a animam. O vingador pode preparar ardilosas armadilhas, tanto na área física, quanto da honra e das afeições. Embora essas perseguições sejam brandas, são mais graves, preparadas por vingadores hábeis e inteligentes. Eles não criam o mal no oponente. Infiltram-se pelas rachaduras morais da vítima, aproveitando suas tendências, e as exploram. Os que se empolgam pelas aventuras do sexo, os que não cuidam de seus corpos físicos e facilitam a desorganização da saúde, os que tendem para a desonestidade ou se comprazem com a maledicência, por exemplo, abrem portas de acesso e facilitam o assédio de espíritos odientos, passionais e viciosos.

Melhor defesa

A melhor maneira de resistirmos ao assédio de perseguidores é o empenho sistemático em construir barreiras de luzes em nossas vidas. Se a luz acontece, a sombra desaparece. Nenhum perseguidor conseguirá penetrar em nosso íntimo, se nos mantivermos limpos e serenos, evitando as nuvens da irritação e da indolência.

Espíritos doentes não gostam do ambiente de pessoas verdadeiras, honestas, empáticas e caridosas. Não se sentem bem ao lado de quem é capaz de compreender, relevar e perdoar.

Não existem perseguidores felizes. O comprometimento com a vingança traz infelicidade e intranquilidade ao vingador. Quando eles percebem que seus atos não atingem os objetivos previstos, tendem a se afastar. Esse é o estratégico momento em que familiares queridos, que esperam pacientemente por uma brecha, aproximam-se, para modificar suas disposições. Procuram convencer o agressor de que está agredindo a si mesmo ou, como diria a sabedoria shakespeariana, está bebendo veneno, esperando que os outros morram. A partir do momento em que se compenetra de que os males semeados voltarão, indefectivelmente, na forma de males que o infelicitarão, passa a abandonar a atitude irracional da autofagia.

Há uma sábia expressão de Allan Kardec4, que bem sintetiza o gatilho que dispara o processo obsessivo:

Os espíritos maus farejam as chagas da alma, como as moscas farejam as chagas do corpo.

Resumindo, as impurezas da alma atraem espíritos comprometidos com o mal. A recíproca é verdadeira. A partir do momento em que limpamos nossas impurezas, evitamos os maus espíritos. Disciplinando pensamentos e impulsos, afastamo-nos dos perseguidores, ainda que eles queiram manter-se sintonizados conosco. Cultivando o equilíbrio, passamos a vibrar em frequência inacessível aos obsessores.

Se o caro leitor ainda está céptico quanto a eficiência dessa tese, rogo que continue lendo estas linhas, pois vou lhes trazer extraordinário exemplo de superação do processo vingativo.

O guarda-chuva5

Culpas e remorsos agravam nossos desajustes. Se não são resolvidos por completo, tornam-se verdadeiros chamarizes para blocos de espíritos que querem implantar seu domínio em nossas vidas.

— Se o diagnóstico é importante, melhor será a descoberta da cura, estará pensando o amigo leitor. Ela está à nossa disposição, como verdadeiro guarda-chuva que nos resguarda das incômodas pedras da espiritualidade.

***

Leôncio, perseguidor espiritual, pretendia vingar-se de ofensas do passado, mas não estava conseguindo acesso junto ao desafeto, que repelia suas investidas com seu comportamento ajustado. Resolveu apelar para Eleutério, especialista mais tarimbado na arte de atazanar pessoas e que se utilizava de métodos sutis e eficientes.

Um demônio? — perguntará o caro leitor.

Claro que não. Apenas um equivocado filho de Deus que ainda se empolgava com a semeadura de espinhos que um dia teria que colher, em penosos reajustes.

Identificou suas fraquezas? — perguntou Eleutério.

Sim, de vez em quando uma tristeza, introversão, preocupação com a saúde, bebe socialmente e se deixa atrair, às vezes, por encantos femininos.

— Então aproveite essas brechas — disse o especialista.

Sem resultado. Trabalha como voluntário, visita doentes em hospital público, dá plantão em instituição socorrista e vibra em favor de pessoas doentes. O homem simplesmente não tem tempo para “curtir” ideias negativas e com isso criou um verdadeiro guarda-chuva às minhas ideias obsessivas.

Eleutério pensou, pensou, com certa preocupação e enfim respondeu:

Desista!

Como assim? — perguntou Leôncio.

Quando nossas vítimas abrem o guarda-chuva do bem, podemos lançar tempestades violentas que não são atingidas.

— O que é esse guarda-chuva? — perguntou, atônito, o obsessor neófito.

Praticar o bem e confiar em Deus é abrir o guarda-chuva indevassável. Teremos que esperar que ele feche o guarda-chuva.

***

Abramos o guarda-chuva dos bons espíritos e do nosso autocontrole, praticando o bem, a empatia e a solidariedade, confiando sempre em Deus. Se nos mantivermos vigilantes, poderão vir pedras, blocos e tempestades, e nossas vidas continuarão tranquilas e produtivas.

A transformação

Ao desavisado poderá parecer que bastará proteger e salvar a vítima e punir os que se arvoram em vingadores e verdugos. Antigos dirigentes de reuniões de desobsessão buscavam meios para acorrentar e afastar obsessores. Com o tempo, agentes do bem conseguiram mudar esse raciocínio, convencendo-os de que para Deus todos merecem misericórdia e condescendência.

Ensina o Espiritismo que ninguém está perdido e que, mesmo os mais encarniçados e doentes facínoras, ainda que por curto ou longo espaço de tempo estejam expostos a expiações, cujo torniquete não os liberará do sofrimento até que se redimam, não terão por destino o sofrimento eterno.

Condescender não significa ser conivente com atos reprováveis. Elevados mentores, em nome do Cristo, ensinam-nos que mesmo os mais insensíveis às dores alheias precisarão passar pela sublime transformação do amor.

Perdão aos inimigos?

Um dos personagens de James C. Hunter, do livro O Monge e o Executivo, considerava perdoar e ter condescendência para com desafetos como coisa absurda. Desabafava:

— Amar nossos inimigos? Amar Adolf Hitler? Amar a Gestapo? Amar um assassino? Como Jesus poderia ter ordenado que as pessoas fabricassem uma emoção como o amor? Principalmente com relação pessoas nada amáveis?

— Uma noite — narra o personagem de Hunter —, vários colegas e eu nos reunimos para tomar umas cervejas na taberna local. Um professor de línguas disse algo parecido com: “— Sim, amar nossos inimigos”. Eu respondi: “— Que piada! Então tenho que amar um estuprador? ”

— O professor de línguas me interrompeu dizendo que eu estava interpretando mal as palavras de Jesus. Ensinou-me que o Novo Testamento foi originalmente escrito em grego e os gregos usavam várias palavras diferentes para descrever o fenômeno do amor. Falou de eros —  atração sexual e desejo ardente —, de storge — afeição entre familiares —, de philos — amor fraterno — e de ágape — amor incondicional, baseado no comportamento com os outros, sem nada exigir em troca.

— O amor de Jesus é o amor ágape, amor traduzido pelo comportamento e pela escolha, não pelo sentimento do amor. Jesus Cristo não queria dizer que nós devemos fazer de conta que as pessoas ruins não são ruins, ou nos sentir bem a respeito de pessoas que agem indignamente. O que ele queria dizer era que devemos nos comportar bem em relação a elas.

Retribuir o mal com o bem

Da mesma forma pronunciou-se Allan Kardec6, ao afirmar que há equívoco quanto ao sentido dado por Jesus à palavra amor. Com efeito, a ternura pressupõe a confiança, sentimento incompatível em relação a quem quer fazer o mal.

A aceitação da proposta cristã pressupõe o pragmatismo do ofendido, que não deve comportar-se da mesma forma que o ofensor, sob pena de expor-se às mesmas consequências de seus atos.

Não se trata de criar falsos ou artificiais sentimentos de amor e sim de balizar o comportamento de acordo com o bem, o que não significa, necessariamente compactuar com o mal.

Fugir da vingança não é nutrir afeição por quem ainda não está pronto para o entendimento, é adotar comportamento diferente do inimigo, sem igualar-se a ele. Não mandamos em nosso sentimento, mas podemos controlar o nosso comportamento. E o melhor para a nossa alma é não retribuir o mal com o mal e estar aberto à oportunidade de reconciliação, sem opor-lhe qualquer obstáculo.

Caso isso não seja possível, o ofendido deverá fugir do ódio, do rancor e dos desejos de vingança — que poderão acorrentá-lo à inércia evolutiva — e deixar que o ofensor se entenda com a justiça divina.

Gandhi e o perdão7

Devemos trilhar o caminho evolutivo, até chegarmos ao porto seguro de não mais admitir que o outro nos ofenda. Não podemos permitir que o comportamento de outra pessoa determine o nosso comportamento.

Certa ocasião um jornalista perguntou a Gandhi, o grande líder espiritual hindu, se ele já havia perdoado os seus inimigos.

— Nunca perdoei a ninguém!

— Mas, como, o senhor, um homem santo, líder espiritual do povo hindu, nunca perdoou?

Gandhi sorrindo, respondeu:

— Nunca houve o que perdoar. Não me recordo de ter sido ofendido por alguém.

Despedida

Por caírem em si, quais filhos pródigos de volta ao lar paterno, ou por, finalmente, se cansarem de sofrer as consequências dos males cometidos contra eles mesmos, um dia os adeptos da vingança voltarão para o lugar de onde jamais deveriam ter se afastado. O plano espiritual tem infinitas formas de convencimento, métodos de persuasão ainda inimagináveis ao raciocínio humano.

Conheça, caro leitor, este tocante depoimento com a despedida de um vingador arrependido de seus atos de perseguição espiritual8.

— Venho despedir-me. Durante anos eu e meu grupo vimos atormentando-o, dispostos a vingar-nos do que nos fez em vida anterior. Foi algo muito grave e terrível, que motivou todo o nosso empenho. No entanto, confesso que fomos vencidos pelo seu comportamento. Sentimo-nos impotentes para agredir espiritualmente você, que foi muito mau no passado, mas hoje revela uma vocação para o bem que nos comove e nos confunde.

Saiba que suas ações, seu empenho de renovação, muito mais do que suas preces, acabaram por conter o braço da vingança. Tudo o que lhe peço, agora, é que nos perdoe e continue orando por nós. Somos os infelizes que um dia se deixaram iludir pela ideia de que a vingança nos traria paz.

Uma paz que nunca tivemos enquanto o perseguíamos, uma paz que esperamos conquistar seguindo o mesmo caminho que você vem trilhando.

Se me é permitido evocar Deus, peço ao Criador que o abençoe e tenha compaixão de nós.

***

Apeguemo-nos ao bem. No começo, incipientes no trato das coisas de Deus, talvez confundamos nosso comportamento, tentando estabelecer uma espécie de toma-lá-dá-cá com a divindade. Mas, no início é assim mesmo, porque pautamos nossas vidas pela partitura do egoísmo. Mais adiante, equilibrados, tomaremos gosto e passaremos a fazer o bem por dever, para finalmente, ensaiarmos os primeiros passos em direção ao legítimo amor.

E, quem sabe, com o andar da carruagem, o bem passe a brotar de nossos poros, espontaneamente, sem interesses escusos, a ponto de nos proporcionar valiosos efeitos colaterais, advindos de beneficiários que nem conhecemos ou de quem não nos lembramos.

Vacina conta a obsessão

No encerramento deste estudo sobre a vingança, atitude que pode representar má semeadura de colheitas obsessivas, julgamos oportuno trazer a experiência de Jerônimo. Depois de décadas de procura, ele finalmente encontrara seu velho inimigo Fabrício, de quem agora iria se vingar do mal que lhe causara, em vida anterior.

Lembrava-se muito bem dos longos anos que passara na prisão, determinada por Fabrício, ao decretar a longa pena, oriunda de processo criminal.

De nada adiantaram os esclarecimentos prestados pelos mentores espirituais que o acolheram, depois da sua morte, e lhe asseguraram que, como juiz de direito, aquele que considerava seu desafeto tão somente cumprira seu dever jurídico.

Em seu peito, havia apenas a sinistra intenção de desforra, que lhe carreava fortes sentimentos negativos. Durante o tempo de procura, arquitetara detalhadamente o plano de vingança contra o oponente que o havia prejudicado e, sob o seu ponto de vista, provocado seu óbito, depois de longa doença contraída no cárcere.

Entre a teoria e a prática, no entanto, Jerônimo esbarrou em alguns obstáculos. O envolvimento do rival, tão bem planejado, não se mostrou tão fácil quanto esperava.

Deparou-se com um opositor expansivo, otimista, descontraído, honesto e trabalhador. Mais do que isso, por mais que procurasse, não encontrava qualquer brecha moral por onde pudesse se insinuar e perpetrar seus mórbidos planos.

O mais estranho é que Fabrício não apresentava qualquer sinal de remorso, característica de quem carrega vasto complexo de culpa. Seu corpo espiritual, inexplicavelmente, encontrava-se em apreciável condição de equilíbrio, sem sinais do mal que se instala nos recessos do espírito de quem o concretiza.

— Será que os iluminados tinham razão e Fabrício era inocente? — articulava Jerônimo em seus pensamentos. Impossível, ele haverá de pagar por tudo o que me fez!

A alma de Fabrício, todavia, parecia uma armadura indevassável. Era modelo de virtude e de alegria, cumpridor de seus deveres profissionais, marido atencioso e pai extremado.

Resignado, o velho vingador já estava quase desistindo da empreitada maligna, quando aconteceu o desastre: um flagelo destruidor, de largas proporções, com grande número de vítimas.

Os telejornais não falaram de outra coisa por noites seguidas. As manchetes jornalísticas ocuparam os espaços mais nobres. Os comentários das pessoas somente giraram em torno das dores, das mortes e dos sofredores. O desastre ecológico era noticiário em várias partes do mundo e as pessoas foram cedendo ao bombardeio das sombras, da angústia e da tristeza. E Fabrício contraiu o vírus da amargura.

Levado pela enxurrada da tormenta provocada por inúmeras pessoas lacrimosas e desavisadas, Fabrício acusou o golpe e adquiriu, da noite para o dia, a fragilidade emocional que caracteriza os incautos e invigilantes. Um prato cheio para o obsessor que o aguardava, pacientemente, para lhe incutir suas sugestões macabras.

O fiel trabalhador, que agora era um trapo velho em pessoa, tornou-se extremamente vulnerável aos ataques de Jerônimo, que se preparava para desferir o golpe fatal, com a profundidade desejada.

Foi nessas condições que Fabrício adentrou os portais de sua residência, cabisbaixo, triste, negativo e choroso. E então aconteceu o milagre. Esperava-o a amiga e esposa Márcia, mãe dedicada, com o evangelho na mão, para, ao lado de seus filhinhos, realizarem a oração semanal.

Jerônimo ainda esboçou alguma reação, tentando desfazer aquele círculo de luz que se formava no lar de Fabrício, mas era tarde demais. As nuvens escuras que haviam sido cuidadosamente arquitetadas pelo obsessor começaram a se desfazer, como por encanto.

E o pior aconteceu para Jerônimo: a oração inicial do evangelho no lar, proferida por doce criança de apenas sete aninhos, era dirigida aos sofredores da tragédia acontecida e para os infelizes desencarnados. Aquela família estava orando por ele!

Foi então a vez de Jerônimo acusar o golpe. Mas, diferentemente de seu ataque, era um golpe de luz, de que se utilizaram os protetores daquele abençoado lar para envolvê-lo e, finalmente, fazê-lo entender que sua luta era injusta.

Estranhamente, Jerônimo não se apressou em dali fugir, ao sentir as cálidas vibrações que o envolviam e o faziam sentir-se, depois de muitos anos, pela primeira vez, em paz.

A lição da noite falou do combate à tristeza, aos pensamentos negativos e da incessante luta contra as raízes da amargura do coração. E foi assim, nesse diapasão de harmonia, que Jerônimo se deixou conduzir pelas iluminadas entidades ali presentes, rumo a um novo destino que ali se iniciava.

Fiquemos com Neio Lúcio9:

A projeção destrutiva do ódio morrera, afinal, ali, dentro do lar humilde, diante da força infalível e sublime do amor.

 

REFERÊNCIAS:

1 – SILVA, Hilário. A vida escreve. Psicografia de Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira. Lição 12. Pg. 159. Edição 6. 8/1987. FEB.

2 – KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. XII – Amai os vossos inimigos. Item 9. A vingança – 2002 – Edição 120. Tradução Dr. Guillon Ribeiro. FEB.

3 – LUIZ, André. Nos domínios da mediunidade. Francisco C. Xavier.  Cap. XXIII – Fascinação. Pg.213. Edição 36. 5/2014. Brasília – FEB.

4 – KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. XXVIII – Coletânea de preces espíritas. Item 16. Prefácio – 2002 – Edição 120. Tradução Dr. Guillon Ribeiro. FEB.

5 – SIMONETTI, Richard. Quem tem medo da obsessão? – Lição 26. O guarda-chuva. Pg. 127. Edição 1. 10/1993. Gráfica São João Ltda.

6 – KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. XII – Amai os vossos inimigos. Item 3. Retribuir o mal com o bem – 2002 – Edição 120. Tradução Dr. Guillon Ribeiro. FEB.

7 – SIMONETTI, Richard. A voz do monte. Página: Condição reafirmada. Pg. 128. Edição 1. 12/1983. FEB.

8 – SIMONETTI, Richard. Texto retirado da palestra “As sementes do Reino”, proferida em várias cidades do Brasil.

9 – LÚCIO, Neio. Alvorada cristã. Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Lição 12. A arma infalível. Pg. 40. Edição 2. 1958. Rio de Janeiro. FEB.

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